Oralidade de surdos

Entrevista com Elidéa L. A. Bernardino

Entrevista feita dia 20 de junho de 2011 com Elidéa Lúcia Almeida Bernardino, Doutora em Linguística Aplicada pela Boston University, Estados Unidos (2006), Professora adjunto da Universidade Federal de Minas Gerais,na Faculdade de Letras da UFMG.
Entrevista:

Graduandas:Quais são as disciplinas ministradas por você na Universidade Federal de Minas Gerais atualmente?

Elidéa:Sou a única professora de libras, por enquanto, e ministro as disciplinas:
• Fundamentos de libras, que são obrigatórias para Pedagogia, todas as licenciaturas e fonoaudiologia.
• Português como segunda língua para surdos
• Libras A e B, que são da faculdade de Letras. Ela coordena, mas quem ministra são suas duas bolsistas de mestrado.
• Supervisiona os cursos de libras do CENEX, tem nove turmas de libras que atendem a comunidade.

Graduandas: Quando tivemos nosso primeiro contato por telefone, lhe perguntei se os surdos tinham oralidade e você respondeu que sim. Gostaríamos então de saber o que pra você é a oralidade dos surdos?

Elidéa:Pra mim é uma oralidade na língua de sinais, é uma língua oral, que é uma modalidade diferente do que agente concebe como “oral”, e nessa oralidade tem diferenças como por exemplo em registros, você tem formal, informal como no cumprimento.

Graduandas: Por não ter oralidade auditiva, falada, podemos considerar que eles tem uma oralidade visual?

Elidéa:Sim. É uma oralidade numa modalidade visual. Falar também que eles não tem uma oralidade no português, não é uma coisa muito certa porque tem “surdos” e “surdos”. Tem surdos diferentes com níveis diferentes e tem aquisições diferentes da língua portuguesa. Alguns não produzem nada na língua portuguesa, conseguem produzir sons, mas não conseguem pronunciar palavras. Outros já tem alguns sons bem característicos de algumas falas do português e outros já tem um treinamento de oralização que é um treinamento de fala da língua portuguesa.

Graduandas: Mesmo os que já nasceram surdos conseguem chegar a esse ponto?

Elidéa: Conseguem através de treinamento. É muito difícil, depende muito do nível de surdez, do treinamento, que é um treinamento exaustivo para eles. Imagine, você nunca ouviu, então você não sabe que para você pronunciar um som como “bala”, você tem que produzir um sopro e esse sopro vai vibrar as cordas vocais para fazer o “ba”, tanto o “Ba” e até mesmo o “lá”. Também em consoante e vogal se tem uma sonoridade. Tanto é que teve uma pesquisa de mestrado, uma menina que é minha coorientanda de doutorado hoje, fez uma pesquisa sobre a produção de alguns fonemas, que são fonemas surdos, por surdos. Então por exemplo, em “casa”, o som do “c” que é um som surdo em relação ao som do “g” de “gato”, eles falam “cato”, porque é difícil aprender. Mesmo que eles aprendam o “ca” eles tem que diferenciar do “ga” que é produzido da mesma forma só que com vibração das cordas vocais.

Graduandas: Você diz em seu livro que a LS tem estrutura semântica e sintática próprias. Você pode nos explicar isso?

Elidéa: De uma forma bem resumida e rápida. No português você fala assim: “Quarta-feira eu vou viajar pra São Paulo”. Não interessa se eu vou viajar de carro, de trem, de ônibus. Eu posso falar em libras: “Eu viajar São Paulo quarta-feira”. Mas eu possa falar também: “Eu avião São Paulo”. Primeiro, na questão da estrutura semântica, eu já coloco de que eu vou viajar, qual é o meu veículo de locomoção. É diferente do português, se eu for fazer uma estrutura da libras com a mesma estrutura do português, “Eu vou viajar de avião para São Paulo”, fica uma coisa incompreensível para o surdo, se eles já tem “Eu avião São Paulo” já diz tudo que precisam. Então a estrutura sintática é diferente. Um outro exemplo que dou no meu livro: Em português você fala “A moça está na janela olhando os carros”, em libras você fala “Prédio janela moça olhando carro”. A estrutura sintática é diferente, a ordem dos elementos na frase é diferente.

Graduandas: Então é por isso que eles tem dificuldades na hora que vão escrever pra gente que não é surdo entender, a ordem que usam as palavras nas frases é diferente do nosso.

Elidéa: Sim. É a mesma coisa que, por exemplo, um dia o marido da minha irmã que é americano estava na minha casa na hora do almoço, todo mundo à mesa, almoçamos, e quando terminamos de almoçar, ele colocou as mãos na barriga e disse, “Nossa, estou cheio”. Então eu falei, “Andy, agente não fala no Brasil, “estou cheio”, falamos “estou satisfeito”. Ele disse que entendeu. Nisso chega meu irmão de carro com a família inteira e mais sobrinhos, o carro estava lotado. Na hora que ele viu falou, “Nossa esse carro está satisfeito”. Todo mundo riu porque é uma inadequação semântica, como ele é estrangeiro, tem que aprender essa inadequação semântica. É o que acontece com o surdo, é como se ele fosse estrangeiro dentro do Brasil, porque ele não é falante nativo do português, ele pode aprender o português, pode falar o português, mas ele consegue uma oralidade melhor na Língua de Sinais, porque ela é mais fácil de ser adquirida por ele, que é visual e a visualidade dele é intensa, tem até estudos que dizem que surdos de nascença que usam a Língua de Sinais há muito tempo, tem uma visualidade aumentada. Tem uma visão periférica maior. E isso é um fator que ajuda tanto na produção da LS quanto na compreensão dela.

Graduandas: Você diz em seu livro que, como todas as línguas orais, a LS não é universal, cada comunidade línguística tem a sua. Assim existe a língua de sinais inglesa, a americana, a francesa, a brasileira. Essas línguas são totalmente diferentes, onde um mesmo sinal pode ter significados totalmente diferentes, dependendo de cada comunidade?Existe uma LS só dos brasileiros?

Elidéa: A LS brasileira é do Brasil, a americana é americana e do Canadá. Mas, por exemplo, a LS brasileira e a americana são “irmãs” igual o português e o espanhol, porque as duas tem influência da LS francesa. Eu morei muito tempo nos Estados Unidos e lá comecei a aprender a LS americana, em uma das aulas que fiz, comecei a comparar os sinais da libras e da Luz americana, que são os mesmos sinais com significados diferentes, e outra, a língua de sinais brasileira, não tem nada do português, e não tem nenhuma semelhança coma LS portuguesa, é totalmente diferente. Já a LS americana tem semelhanças com a brasileira, por terem a mesma origem, apesar de ter também diferenças, os falsos cognatos entre línguas. São línguas parecidas, mas tanto a LS brasileira não tem relação com o português nem com a LS portuguesa, como a LS americana que tem uma certa semelhança com a LS brasileira, não tem nada parecido com a LS inglesa. São independentes não só entre si, mas também são independentes das línguas orais.

Graduandas: Podem existir variações dialetais aqui dentro do Brasil mesmo?

Elidéa: Sim. Você tem variação dialetal entre estados, entre homem e mulher e entre gerações, onde os mais velhos vão ter sinais diferentes dos mais jovens, para expressar a mesma coisa, e mesmas coisas vão ser representadas por sinais diferentes dependendo de cada região. É uma língua completa.

Graduandas: Os surdos tem costume de cortar as palavras na hora de “falar”, como fazemos na oralidade?

Elidéa: Sim. Eles na conversa, reduzem o sinal,essa redução é uma redução natural. Mas eles tem redução na oralidade mesmo, na conversa. Por exemplo, tem o sinal mês, que é feito com as duas mãos, na hora que estão conversando, a mão de apoio cai, não tem necessidade. Isso acontece também quando uma das mãos está ocupada, por exemplo, segurando no ônibus. A mesma redução que se tem na língua oral, eles tem na oralidade deles também.


Graduandas: Com essa nova lei de inclusão gostaríamos de saber o seguinte: Já é muito forte a marca de oralidade na produção de textos de uma criança quando está começando a se alfabetizar, e no caso de uma criança surda? Deve ser mais complexo ainda a escrita dela.

Elidéa: Sim. A marca de oralidade é muito presente, e não é só no início. Tem uma questão muito séria, normalmente as crianças surdas tem acesso a língua de sinais mais tarde, só agora estão começando mais cedo com a questão da lei de libras 10.436 e o decreto 5626 que regulamenta inclusive a obrigatoriedade da disciplina de libras nas universidades, em alguns cursos. Mas voltando ao assunto, essa marca de oralidade vai estar presente nos textos deles durante muito tempo, e você vai perceber influência da Libras na escrita deles, do jeito de falar da Libras. Inclusive nessa turma que tenho de português como segunda língua, na aula passada eu mostrei algumas coisas que os surdos tem onde você vê claramente a oralidade deles, da fala na escrita. No meu livro mesmo tem alguns exemplos em que você percebe que o surdo escreve do jeito que ele fala.

Graduandas: Alguns professores ao invés de considerar a estrutura de um texto, vai cortando os erros ortográficos, as marcas de oralidade no texto de um aluno, então se esse professor não está preparado, vai prejudicar muito o aluno surdo. E o curso é obrigatório só online, bem básico não é?


Elidéa: Sim, na UFMG é online, e eu acho que principalmente pedagogia e fonoaudiologia que podem vir a lidar com a criança surda, teria que ter além do Fundamento de Libras, porque ele é bem básico. O profissional, o pedagogo teria que ter uma formação específica na área, tanto que estou dando aqui na Letras o curso de Português como segunda língua pra surdos. O português é segunda língua pra eles, eles tem que aprender como segunda língua. Agora, como é que o professor vai lidar com uma criança surda que não ouve o português, ele não consegue aprender o português de uma forma natural, vai ter um vocabulário reduzidíssimo no português. E normalmente eles não tem contato com a Libras,vão ter contato tardio. E se eles não tem Libras, não tem português, o que o professor vai fazer com esse aluno dentro da sala de aula?O que acontece muitas vezes é que os alunos são incluídos na sala de aula, onde a criança chega sem uma língua ao qual se comunica e de repente já tem que aprender a ler e escrever. Acaba que muitas vezes a criança fica é acompanhando os outros, sem entender nada que está acontecendo e vai atrasando e passando o período crítico dela que é o tempo que ela deveria aprender inclusive uma língua, o que é gravíssimo porque passa o período crítico e o que acontece é que ela é afetada cognitivamente, ela tem uma defasagem cognitiva e depois quando não tem jeito a colocam em uma escola especial. É uma coisa muito séria, a comunidade surda é totalmente contra a inclusão, principalmente do jeito que está sendo feita. Eu acho que a inclusão é possível, desde que seja feita, no caso dos surdos, de uma forma específica a garantir que eles tenham no ensino fundamental, direito a classes especiais para surdos.


Referência Bibliográfica:
BERNARDINO, Elidea Lucia. Absurdo ou lógica? A produção linguística dos surdos. Belo Horizonte: Ed. Profetizando Vida, 2000


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A linguagem e os surdos
       
               Por Cristiane  Carla Souza

Na busca de contribuições sobre questões referentes à lingua(gem) e de uma definição mais clara e mais condizente sobre  o surdo mudo recorremos aos estudos de Elidéia Bernardino, professora do Núcleo de Libras da UFMG, vamos analisar o texto: O papel  do intérprete na Educação de Surdos
Segundo a autora, em LIBRAS lidamos com duas línguas de modalidades diferentes, que são; o português que é uma língua que utiliza o canal ORAL –AUDITIVO, ou seja , a fala oral +audição. A outra que é a Libras que  utiliza da língua ESPAÇO-VISUAL. Outro sim, se utiliza de fala em sinais e da visão. Diferença  essa que é fator determinante  para  o mecanismos sintáticos entre as respectivas línguas.
Os estudos da autora nos mostra que a língua do sinais não são derivadas da comunicação gestual espontânea dos ouvintes. Ao contrário se constituem de sistema lingüístico independentes dos sistemas das línguas orais. Sendo assim, podemos dizer  que é uma língua natural como qualquer outra, pois  nasce da necessidade dos sujeitos se comunicarem. Comunicação essa  que se faz  através da utilização das mãos.
Feitas as devidas considerações, nota-se ainda que, a língua de sinais faz uso constante de expressões faciais  que quando se muda de uma frase interrogativa para um para citar exemplo simples, muda-se a expressão fácil. Por esse  motivo não se usa  as duas linguais ao mesmo tempo!
           Distinguir as diferenças  entre Português e Libras se faz necessário para possamos entender que apesar do alfabeto de Libras se comparar com o alfabeto latino,  ao existe  correspondência unívoca entre as palavras. Diferença que pode ser notada  também devido ao fato que a Libras é espaço-visual e o Português é oral auditivo em que  a primeira traz informações simultâneas e a segunda informação linear.
Discutir Libras à luz da discussão língua materna, que para nós é o português, nota-se  que  os surdos precisam ser educados pela  linguagem dos surdos, sua linguagem materna que é Libras. Aqui emerge também a necessidade dos que tem alguma função em sala de aula, tais como professores, pedagogos, etc., terem formação em LIBRAS que nesse caso seria uma “segunda língua” para o falante, e a primeira do surdo.
Devemos destacar aqui que a  dificuldade dos sujeitos surdos se vale da impossibilidade de aquisição de línguas auditivas-orais  que prevalecem em nossa sociedade. Ou seja, a dificuldade não é gerada por condições da constituição orgânica o mesmo, mas sim devido a repercussões sociais e culturais em nossa sociedade que  dá privilégio a escrita.. Sendo assim, podemos focalizar a constituição da escrita no sujeito surdo e inicialmente refleti a respeito da  afirmativa de  Nogueira que diz que:

Ser alfabetizado supõe a possibilidade de [...] "decifrar" componentes ideográficos que rompam com a suposta relação fonética, bem como conhecer a distância entre o escrito e o falado (e no caso dos surdos, também entre a língua portuguesa e a Língua Brasileira de Sinais - LIBRAS). (p. 53)


Destaca-se então que a aprendizagem da escrita para o sujeito surdo é sobremaneira complexa, isto porque vê-se que as metodologias de ensino utilizadas nas escolas é voltada para o método fônico.
Segundo Luria, o “’inicio  do desenvolvimento da espécie humana, a comunicação era feita através de gestos; com a evolução da espécie humana, o sistema fonador passou a ser utilizado na comunicação entre as pessoas". (Luria, 1986, p. 94). Em tempo nota-se que  o privilégio  língua oral deixou em segundo plano as línguas  visogestuais,como é o caso da LIBRAS.
Destarte, não basta querer saber e ensinar pala língua de sinais (LIBRAS), mas se faz necessário cursos  para que os educadores possam ter um aprendizado da língua de sinais, e  conhecer sua língua materna.


REFERÊNCIAS

LURIA, A Pensamento e linguagem - as últimas conferências de Luria. Porto Alegre: Artes Médicas, 1986.

NOGUEIRA, Marilene de A. Eventos de lectoescrita e surdez. Revista Integração, n.18, p. 53-5, 1997.